Romário e os anos de glória no PSV
Durante os cinco anos em que Romário jogou pelo PSV, ele só não fez chover. Este é um relato de como ele conquistou o país, em cinco atos de gênio
Quando os atuais vice-campeões europeus do Steua Bucareste abriram o placar em Eindhoven, no jogo de volta das oitavas da Champions, em 1989, o PSV parecia liquidado no confronto. Na partida de ida, os romenos já haviam vencido por 1 a 0. No segundo tempo, porém, eles conheceriam Romário.
Em uma das noites mais mágicas do brasileiro na Europa, o PSV virou para 5 a 1, com três gols do atacante. O primeiro, um tiro de cabeça, marca registrada. No segundo, a bobeda do zagueiro, o oportunismo, e caixa. No terceiro dele, e quinto do PSV, a obra-prima, que o técnico Gus Hiddink descreveria após a partida como um “gol que parece ter sido desenhado para uma história em quadrinhos”.
Romário arranca da intermediária, dá um drible da vaca no seu marcador, finta o goleiro e o zagueiro, que se esborracham no chão, antes dele estufar a rede. O goleiro Hans van Breukelen, foi além: “Romário era um gênio, mas aquilo foi algo que nem alguns gênios fazem”. Romário foi substituído e ovacionado de pé.
A chuteira do jogo contra o Steua, uma Lotto preta de nome “pérola negra”, está estampada no museu do PSV.
O início
O atacante chegou ao PSV após ser o artilheiro das Olimpíadas de Seul, em 1988, onde o Brasil foi prata com a derrota para a União Soviética. Romário já não era um simples desconhecido nas Olimpíadas, e os seus muitos gols pelo Vasco da Gama há muito tempo já fazia do brasileiro uma das prioridades do mercado europeu – que, até então, limitava o número de estrangeiros por clube.
E o PSV também não era qualquer time. Era o atual campeão europeu.
Com o dinheiro da Philips, os holandeses esperavam um artilheiro nato, com talento, mas que se adaptasse ao futebol duro da Europa. O que eles conseguiram foi um dos atacantes mais talentosos de sua geração – e, talvez, de todas as gerações.
Na primeira temporada, Romário fez 26 gols em 34 jogos. Foi o artilheiro do holandês e o PSV se consagrou tetracampeão. Foram três hat-tricks no campeonato, além de um gol na final da Copa da Holanda, pra completar a dobradinha.
A estreia de Romário na Champions foi com gol contra o Real Madrid. Na volta, no Santiago Bernabéu, também deixou o seu gol, antes do PSV ser eliminado na prorrogação, a sua grande sina – Romário também fez gol e acabou derrotado na prorrogação, contra a URSS, cinco meses antes.
A primeira noite mágica
Na segunda temporada no clube, Romário marcou 31 gols em 27 jogos, incluindo a sua noite mágica contra o Steua Bucareste. Não foi a sua primeira, porém.
Dois meses antes, Romário enfrentou o Ajax pela primeira vez. No primeiro gol, dá um drible seco no zagueiro e bate na saída do goleiro. No segundo, ganha no corpo e fuzila. 2 a 0 para o PSV com dois gols de Romário.
Nenhum outro jogador possuía o mesmo talento em contraste com tamanho desprezo pela necessidade de treinar. Era um gênio que por um acaso também possuía um nível de autoconfiança e fanfarronice diferente de tudo que os holandeses tinham visto antes. “A noite sempre foi minha amiga. Quando saio, fico feliz e quando estou feliz, faço gols,” costumava dizer.
Felizmente para Romário, e para o PSV, era isso que ele fazia, semana após semana. Como ele provou inúmeras vezes, com ou sem ressaca, não havia ninguém que pudesse pará-lo. Foi de novo artilheiro do Holandês (e da Champions), mas acabou a temporada baleado. Romário sofreu uma entrada no tornozelo numa vitória de 9 a 2 sobre o Den Haag e, sem ele, o PSV caiu diante do Bayern e vice do Holandês para o Ajax nas rodadas finais, além de chegar meia-bomba para a Copa do Mundo de 1990, na Itália.
O rei da Holanda
Na temporada seguinte, marcou 30 gols em 30 partidas. Romário foi o artilheito e campeão holandês. Desta vez, com duas partidas de gala no torneio.
Contra o Feyenoord, guardou quatro em um 6 a 0, com gol de todo jeito. Mas o seu terceiro é a pintura do jogo: Romário domina na intermediária, entra na área, entorta o zagueirão loirinho e fuzila – eu fortemente recomendo assistir a última jogada do vídeo. Seria o ano em que o PSV passaria o Feyenoord em títulos.
Um mês depois, outra vez contra o Ajax, 4 a 1 na rodada 26. Romário fez dois e o segundo é uma marca registrada romariana. O atacante recebe no meio-campo, dribla Frank de Boer que cai no chão feito um saco de babata, dribla o goleiro e caixa. Lembra o gol que faria contra o Uruguai.
Romário foi o artilheiro nas suas três primeiras temporadas da Holanda. Números absurdos para qualquer atacante, ainda mais para um jovem jogando fora de seu país pela primeira vez – e especialmente um jovem que fora de campo só aparecia nos compromissos do clube se isso fosse uma desculpa pra fugir da patroa em casa.
Bobby Robson treinou Romário durante dois anos após a saída de Hiddink, e devotou grande parte de sua auto-biografia ao seu (nada bom) relacionamento com o atacante. “Sexta à noite era dia de festa, não importava se tivesse um jogo no dia seguinte. Álcool não era o problema – ele era mais da Coca-Cola – mas ele ficava acordado até as quatro da manhã e ficava o dia seguinte inteiro dormindo, até a hora do jogo às 7:30 da noite. Ele queria chegar ‘descansado’ na partida”.
Última noite de magia e o fim de uma era
Na temporada de 1991-92, Romário passou meio ano fora, entre lesões e as tretas com Bobby Robson – e uma decepcionante eliminação para o Anderlecht, na Europa.
De técnico novo, Romário continuou exatamente de onde havia parado, e marcou 32 gols em 39 jogos na temporada seguinte, sua última pelo clube. Isso inclui outra grande noite na Champions, contra o AEK Atenas. Romário fez os três gols que classificaram o PSV após a derrota na ida, incluindo um chapelaço no zagueiro antes de concluir. Ele foi, outra vez, o artilheiro da edição.
Eventualmente, após cinco temporadas, a lenda de Romário superou Eindhoven e um projeto de "Dream Team" o esperava em Barcelona– com Hristo Stoichkov, Michael Laudrup e o técnico Johan Cruyff. O PSV aceitou uma oferta de 3 milhões de euros, e o brasileiro seguiu para Catalunha, após três títulos da Eredivisie e duas Copas da Holanda.
O PSV ficou com a tarefa quase impossível de substituir o insubstituível. O clube voltou suas atenções, outra vez, para o Brasil. Lá havia um jovem atacante com fome de gols, e que muitos acreditavam que poderia ser o próximo Romário.
Por Leandro Vignoli, um original do Corneta Press
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PRORROGAÇÃO – OU - Coisas que valem a pena citar
“Se era tão bom por que jogava no PSV?”
Quase desnecessário falar, mas na época a Europa limitava os clubes a no máximo três estrangeiros por equipe – o Milan dos três holandeses, por exemplo. Romário chegou ao Barcelona amparado na nova regra “3 + 2” da UEFA, que permitia dois estrageiros “extras” caso o jogador atuasse a pelo cinco anos naquele país – o que seria o caso de Michael Laudrup e Ronald Koeman.
Na ponta do lápis
Romário fez 165 gols em 167 jogos no PSV.
Em 11 jogos ele marcou um hat-trick, em 2 marcou 4gols.
Foram 5 gols contra o Ajax e 7 contra o Feyenoord.
Trêz vezes artilheiro e uma vez vice (atrás de Dennis Bergkamp)
A vítima favorita
Romário marcou nada menos do quatro hat-tricks contra o glorioso MVV Maastricht. No total ele fez 15 gols contra o time na divisa com a Bélgica.
Bye Bye Bobby
Bobby Robson foi demitido após o fracasso do PSV na Champions em 1992 e seguiu para o Sporting, de Lisboa. Ele usaria um jovem tradutor, que depois seguiria junto com ele no Porto e no Barcelona. Esse jovem se chamava José Mourinho.
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