O primeiro campeão europeu do bloco comunista
A Recopa da Europa de 1968-69 foi marcada pelo boicote ao torneio dos países do bloco socialista. E, no fim, o campeão foi um time...socialista
Oito clubes estreiam em uma competição europeia na recém inaugurada Conference League da Uefa, incluindo os ex-soviéticos que comentei aqui. Um desses estreantes é o Union Berlin, todavia, essa não foi a primeira vez que o clube de Berlim se classificou para uma competição da UEFA. Demorou cinquenta anos, mas finalmente o clube conseguiu estrear, após ser impedido de participar da extinta Recopa da Europa, na época o segundo maior torneio organizado pelo UEFA. Essa é a história.
Os campeões de Copa
Recopa da Europa é como era conhecido no Brasil o torneio para os clubes campeões das copas nacionais - e até então, o segundo torneio continental mais importante na Europa. Em junho de 1968, o Union Berlin foi a grande zebra da Copa da Alemanha Oriental (FDGB Pokal), ao vencer na final o Carl Zeiss Jena, que dias antes conquistou o título da liga nacional. Não só isso, era apenas a segunda vez que o Union Berlin participava da Copa do país (após uma série de fusões na confusa história do futebol da Alemanha comunista). Na semi-final, o Union havia eliminado o atual campeão, Zwickau, e nas quartas o maior campeão alemão-oriental até então, o Vorwarts Berlin, o time do exército. Zebraça e vaga na Europa.
Na Espanha, enquanto isso, o Barcelona batia o Real Madrid por 1 a 0 na final da Copa do Rei, com 100 mil pessoas no Santiago Bernabèu em julho de 1968. Era o primeiro título do Barça em cinco anos (e o segundo em toda década de 1960).
O técnico do Barça, Salvador Artigas, era um ex-piloto dos Republicanos na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o lado derrotado apoiado pelos comunistas e anarquitas (e a União Soviética). Diz a lenda que o General Franco, que ganhou a guerra e comandava o país há 30 anos sob um regime, estava no estádio.
O jogo terminou com cenas lamentáveis, com os torcedores do Real Madrid atirando garrafas de vidro em campo nos jogadores do Barcelona - o jogo ficou conhecido como o Clássico das Garrafas. Outra lenda dessa final é que durante a entrega da taça ao Barcelona, a esposa de um ministro do governo teria parabenizado o presidente do Barça dizendo que “Barcelona também é Espanha”, ao que Narcís de Carreras teria respondido: “minha senhora, você está de brincadeira!”.
Narcís de Carreras, aliás, é quem cunhou a frase més que un club.
A primavera de Praga e os campeões comunistas
Agora corta para a Tchecoslováquia, onde sob a turbulência da primavera tcheca, o Slovan Bratislava ganharia a Copa contra o Dukla, de Praga. O recém-eleito presidente tchecoeslovaco, Alexander Dubcek, tinha assumido com a ideia de reformular o Partido Comunista Tcheco (KSC), inclusive com a ideia de dissolver o país em duas repúblicas, como hoje em dia. Contrário ao regime mais duro imposto pela União Soviética, a Tchecoslováquia acabou invadida pelos países do Pacto de Varsóvia em agosto de 1968 (URSS, Hungria, Bulgária e Polônia, com a Alemanha Oriental na retaguarda) e Dubcek, expurgado do país.
Os países do oeste ameaçaram boicotar os torneios da UEFA que, apavorada, decidiu então separar os times do leste e oeste no sorteio das competições. Desta vez foram os times do leste (do bloco socialista) que não gostaram, e abandonaram a competição, que começaria menos de um mês depois, em setembro.
As exceções foram os clubes da Iugoslávia (visto que Tito e Stálin já tinham rompido relações fazia tempo), Romênia (quando Ceaușescu também aproveitou a Primavera Tcheca para dar um pé na URSS) e, claro, Tchecoslováquia.
Nesse bolorô político diplomático, o Union Berlin ficou de fora do torneio, acatando a decisão do boicote da Alemanha Oriental aos torneios UEFA. O mais perto que ele chegou de uma vaga na Europa foi em 1986, novamente na final da Copa da Alemanha Oriental, em que perdeu de 5 a 1 para o Lokomotiv Leipzig.
Mas como o mundo não dá voltas, mas capota, apesar do boicote socialista à UEFA e aos tchecoslovacos, o Slovan Bratislava (da Eslováquia) acabou eliminando times como Porto, Torino e chegou a final contra o Barcelona, que teve uma chave mais tranquila com Lugano (Suiça), Lyn (Noruega), e o Colônia na semi-final.
Bem-vindos e ganhem
A final da Copa da Europa de 1968-69 aconteceu em Basel, na Suiça. O Slovan Bratislava foi o primeiro time do bloco comunista a ganhar um título europeu (e até hoje o único time da ex-Tchecoslováquia) e foi saudado no estádio pela sua diáspora, com a faixa Vítajte Zvíťazte (Bem-vindos e ganhem), que pode ser visto durante a entrega do troféu, após a vitória de 3 a 2 (a primeira foto deste texto).
Foi também a primeira final europeia do Barcelona, que ganharia o torneio pela primeira vez em 1979. Na defesa do título, na temporada seguinte, o Slovan Bratislava caiu logo na estreia, para o Dínamo Zagreb.
Se você curte jogo velho aleatório, aqui está a final completa.
Por Leandro Vignoli, um original Corneta Press
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PRORROGAÇÃO — ou Coisas que valem mencionar
A base da Copa do Mundo de 1970…
Além de campeão europeu, o Slovan Bratislava cedeu sete jogadores para a sua seleção na Copa de 70, entre eles Vladimír Hrivnák (que fez o segundo gol da final contra o Barça), e o capitão da seleção, Alexander Horvath. Inclusive ambos jogaram na derrota de 4 a 1 para o Brasil na primeira fase no México.
A conexão Barça e Eslováquia
A final entre Barcelona e Slovan teve um certo clima de irmandade. László Kubala, um dos maiores ídolos do Barcelona nos anos 50, nasceu na Hungria mas tinha origem eslovaca - inclusive jogou no Slovan durante dois anos e defendeu a seleção Tchecoslovaca. Um “cidadão do mundo”, Kubala também defendeu a Espanha na Copa do Mundo, e tem uma estátua em frente ao Camp Nou.
É tetra…
Apesar de perder aquela final, o Barcelona venceria a Recopa da Europa quatro vezes, sendo três antes da primeira Champions do clube. O título em 89 seja, talvez, o mais emblemático. Na semi o Barcelona eliminou o CSKA Sofia, que apresentou um jovem Hristo Stoichkov, que fez três gols contra o Barça. A final foi um 2 a 0 contra a Sampdoria, uma espécie de prévia da final da Champions em 1992 entre os dois clubes (onde agora jogando pelo Barcelona, Stoichkov brilhou).
E o boicote na Champions, teve?
Na competição mais importante (que na época ainda não se chamava Champions, é claro), também teve boicote dos clubes socialistas. O time da Tchevoslováquia, Spartak Trnava, também foi longe, chegando até as semi-finais do torneio, então eliminado pelo Ajax (que depois perderia a final pro Milan).