Entre os Ultras
Uma entrevista com o autor do livro 1312: Among the Ultras, que explora a relação dos grupos organizados com poder, violência e, às vezes, futebol
Uma derrota no sábado à tarde pode arruinar a semana inteira, enquanto uma vitória pode fazer todos os problemas da vida desaparecerem em um instante. A paixão por um time de futebol é algo quase inigualável, difícil de racionalizar, e entre as mil emoções que desperta, a violência é uma delas.
Quem viu de perto essa paixão e, claro, violência, é o jornalista James Montague, autor do excelente “1312: Among The Ultras” (livro publicado somente em inglês). Em suas viagens, durante anos imerso na cultura dos ultras, Montague testemunhou todos os aspectos da cena e como ela evoluiu ao longo dos anos. Desde brigas organizadas em uma floresta na Ucrânia, até sair com o chefe dos ultras Irriducibili da Lazio, até mesmo ser perseguido por torcedores empunhando facões na Indonésia.
Em maio, Montague bateu um papo com a revista Malestrom, onde explicou como se infiltrou nesses grupos, a influência que as diferentes facções têm mostrado ao longo dos anos, e as situações casca-grossas que ele econtrou pelo caminho.
The MALESTROM: Como você fez para se conectar com os diferentes grupos de ultras? Não parece algo fácil de obter acesso, especialmente você sendo jornalista...
James Montague: Faz bastante tempo que escreco sobre o submundo do futebol, então, felizmente, muitas pessoas sabem o meu perfil. Quando comecei no jornalismo, não tinha contatos nem dinheiro, então costumava ir aos lugares onde a torcida ficava de pé no estádio. Então, quando eu ia aos jogos do West Ham eu ficava na North Bank [N.T. atrás do gol no estádio Boleyn Ground], é onde eu sempre gravitei em todos os estádios. E é lá que os ultras estavam e é onde comecei a falar com as pessoas. Claro que, como jornalista, você não vai frequentar os quarteis-generais dos grupos. Mas, ao longo dos anos, construí uma certa confiança com as pessoas.
Não é um endereço de e-mail, ou um site que você acessa, é sobre conexões reais com pessoas que podem te avalizar. Se uma pessoa disser não, esse contato já se encerra ali. Felizmente, eu conheci gente certa na hora certa, que poderiam abrir portas. Depois que um grupo me deixou entrar, as coisas ficaram mais fáceis.
Uma conversa interessante que tive, por vários motivos, foi com Fabrizio Piscitelli, o líder do grupo fascista de ultras da Lazio, que mais tarde foi assassinado. Sentamos para conversar, e o meu contato, que também era meu tradutor, disse a ele que eu havia escrito um livro chamado “The Billionaires Club”, que provavelmente vem de uma perspectiva esquerdista sobre como os capitais globais sem controle estavam destruindo o futebol. E de uma forma geral, acho que ele meio que concordou com isso. Mesmo que estivéssemos em extremos opostos do espectro político. Esses caras eram antiglobalização, anti-oligarquia. Ele era uma mistura de tudo.
Creio que não poderia ter escrito este livro dez anos atrás. Eles eram uma cena muito jovem e desconfiavam dos jornalistas, desconfiam da mídia, desconfiam da polícia.
TM: Mikael é um personagem fascinante que permeia por todo o livro. Conte-nos um pouco sobre ele. Ele parece ter facilitado muitas das aventuras...
JM: Mikael foi brilhante. Eu nunca tinha falado com ele antes, mas novamente, um amigo de um amigo me colocou em contato e disse que esse cara era o padrinho da cena ultra sueca. Entrei em contato com ele, um cara mais velho, adorável e simpático. Há anos que ele não ia para Buenos Aires, onde morou por um tempo. Eu disse a ele que pagaria o voo, e que estava hospedado em um Airbnb, então haveria uma cama ou sofá extra para dormir e que poderíamos ir assistir o Boca Juniors juntos.
Ele concordou e a primeira vez que o encontrei foi em Montevidéu, e felizmente ele não era algum um maníaco. Ele é um cara coberto de tatuagens, uma longa barba, cabelo comprido, mas é um sujeito muito querido. Acabamos viajando pelo Uruguai e Buenos Aires. O que curti nele é que ele respirava a cena ultra. Ele foi alguém que sacrificou tudo por isso. Há livros sobre a cena hardcore americana ou punk no Reino Unido no final dos anos 70, mas ninguém nunca escreveu sobre o Mikael, que de certa forma teve o mesmo impacto em construir uma subcultura. Mas o que ele faz é tão anti-registros e tão anti-mídia, que não há muitas histórias que sobrevivam.
E é claro que acabei indo para a Suécia, o que acabou sendo uma experiência totalmente diferente e, que acabou numa briga de 70 caras contras outros 70. Mikael não estava envolvido, porque ele é um pacifista, o que era minha coisa favorita a respeito dele. A maioria das pessoas pensa que todos os ultras são apenas hooligans e não é bem assim.
TM: Sobre as raízes dos ultras, você menciona no livro que a semente é a Torcida, a mais antiga torcida organizada do Hajduk Split, na Croácia. E claro, tem os ultras italianos, que definiram o termo. Quem foram os primeiros?
JM: Tudo começa na Itália, mas por razões diferentes. Claramente, o significado moderno da palavra ultra, a estética e a linguagem, vem de lá. Se você for para a Indonésia, as pessoas se autodenominam Brigata Curva Sud. Eles estão usando as frases italianas. Definitivamente começa no final dos anos 60 e cresceu a partir daí, não há dúvida.
Algo fascinante para mim, é que quando você vai para a Argentina, La Boca é um bairro de imigrantes italianos. Foram os genoveses que vieram e povoaram aquele distrito. Os Barras Bravas meio que existem desde a década de 1920, mas é incrível que as Barras e os Ultras foram evoluindo em um tipo quase idêntico de apoio das torcidas organizadas, o tipo de músicas que cantam, o tipo de melodias. É insano! Então, embora 1968 seja visto como o berço dos Ultras, eu diria que Genoa começou até antes disso, porque foi exportado primeiro para a América do Sul. E é desse jeito que a tradição chegou à Itália. Você pode voltar 40 ou 50 anos antes disso, seja na Argentina ou na Itália, e está ali o berço de tudo.
TM: Há vários aspectos históricos no livro, como no capítulo sobre o Uruguai, de como os torcedores de futebol eram reservados, vestindo as melhores roupas de domingo para ir aos jogos e, claro, o lendário torcedor Prudencio Miguel Reyes...
JM: Para mim a história do Prudencio Miguel Reyes é a mais fascinante, o primeiro torcedor fanático do mundo. O Nacional tem muito orgulho dele, mas ninguém sabia a respeito dele. Os times argentinos afirmam que foram os primeiros a usar o termo “hincha”, para o torcedor. Mas obviamente o termo nasceu porque Prudencio era visto gritando e cantando à beira do gramado, e ele era um “hinchador” do Nacional (N.T o cara que enche as bolas de futebol. As pessoas adotaram o termo “hincha” como gíria para hinchador, do mesmo jeito que “presida” é uma gíria de “presidente”).
Isso era parte do que eu queria fazer, porque sempre que se escreve sobre ultras, é sempre algo preto no branco, sobre hooliganismo, etc. Mas há uma história cultural rica por trás, e que explica sobre por que as pessoas ficam loucas quando agem dentro de um grupo. Então, ao descobrir essas histórias e tentar colocá-las em algum tipo de linha do tempo, esperava dar a uma das maiores subculturas da minha vida a profundidade que merece. Não é apenas sobre cantar em um estádio, mas sobre levar a uma revolução no Egito, depor o presidente na Ucrânia ou até a dirigir uma empresa criminosa na Itália, pode ir em quase qualquer direção.
TM: Existe essa ideia de que todos os ultras são "ruins". Mas eles foram fundamentais em coisas como a Primavera Árabe. Certamente há muitas evidências de que eles mostraram uma influência positiva ao longo dos anos, não apenas as conotações negativas que a maioria das pessoas tem...
JM: Como é um espaço de anti-autoridade, não é uma surpresa que eles sangrem pela causa em outras áreas. Se você pensar nisso como um espaço na sociedade civil, eles incubaram e ajudaram a gerar movimentos revolucionários. Pensa num estádio de futebol e o espaço atrás do gol, são milhares, geralmente jovens, extremamente bem organizados e anti-autoridade. Eles geralmente refletem os valores e preocupações que existem em sua comunidade. Então, se você tem isso como uma causa e as condições são certas, pode ser uma força realmente potente.
O Egito foi o melhor exemplo que vi disso. O maior clube, o Al Ahly, tinha um grupo chamado Ahlawy, criado por um cara chamado Amr Fahmy. Seu pai era secretário-geral da Federação Africana de Futebol. Esse é um cara obcecado pela cultura ultra, que começou por tentar copiar a cultura do futebol italiana e inglesa, porque a preocupação de todos aqueles jovens era com a brutalidade da polícia e com a falta de liberdade. São pessoas em oposição à polícia, lutando contra ela semanalmente. Quando a revolução chegou, esses caras estavam na linha de frente para agredir a polícia na Praça Tahir.
Não quero dizer que todos ultras tem potencial para ser uma força revolucionária. Mas não há razão para que eles sejam considerados meros hooligans. Na Sérvia, ou especialmente na Ucrânia e na Turquia, quando as condições são adequadas, esses caras podem fazer a diferença. Às vezes isso é bom e às vezes é ruim.
TM: Eles também são usados como uma ferramenta de propaganda por políticos ...
JM: Uma das coisas sobre as quais tenho tweetado recentemente foi sobre esse cara na Sérvia. Eu morei lá alguns anos atrás e escrevi sobre o que aconteceu no Partizan Belgrado, que foi comprado essencialmente por figuras ligadas ao crime organizado, mas também ligadas ao governo. Esse cara, Veljko Belivuk, foi preso algumas semanas atrás. Sua proteção pelo governo havia sido retirada por algum motivo. Aí, no estádio do Partizan, eles encontraram armas, e vídeos de decapitações de pessoas. Eles até trouxeram o chefe da Federação para um interrogatório. Eles acusaram esse sujeito de estar envolvido na tentativa de assassinar o presidente. É uma história maluca.
Você vê como esses políticos, especialmente na Sérvia, por anos vêm usando ou tentando cooptar os ultras, porque eles percebem que são úteis, seja porque você queira contratar um guarda-costas, uma milícia ou precise de um grupo de pessoas para cantar seu nome em apoio. Repito outra vez, a Sérvia era muito semelhante à Argentina e à Itália nesse aspecto.
TM: Qual era o nível de interesse real por futebol nos grupos que você conheceu?
JM: Para os soldados rasos, tratava-se de apoiar o clube, a cidade, a comunidade. O sendo de identidade na na Itália é muito graande. É a sua vizinhança acima de qualquer outra coisa. Então, geralmente eles amavam futebol, eles amavam seu time.
Porém, descobri que quanto mais você subia na hierarquia, e mais velho ficava, há um maior distanciamento do jogo, quase como administrar um clube de jovens, ou uma empresa. Quer fosse um negócio legal ou ilegal. Quando falei com o Diabolik, por exemplo, ele nem sabia direito quem jogava pela Lazio. Houve um tempo em que ele sabia tudo, em que ele era tão apaixonado que ia para o campo de treinamento e exigia falar com o capitão da Lazio, ou uma vez encontrou com Lilian Thuram para persuadi-lo para assinar pela Lazio, porque ele disse que o clube era muito racista.
Então, com o passar do tempo, virou um negócio para gerenciar. Para ele, era sobre o grupo, ele nem considerava ultras. Para ele era algo acima disso, acima do futebol.
TM: Você mencionou o ex-chefe dos ultras da Lazio, Diabolik (Fabrizio Piscitelli). Fale sobre aquela reunião no QG deles, onde você teve que sentar e fumar um baseado com ele.
JM: Foi uma coisa muito estranha. Vinham esses caras com mensagens secretas, estamos conversando e essas pessoas sussurrando mensagens ou passando em um papel, que ele rasgava. Não sei o que era ou os motivos, mas ele estava claramente envolvido em alguma atividade extracurricular bastante pesada, digamos assim.
Nesse escritório, quando chegava alguém, todos faziam uma saudação de braço esticado. Ele me deu um baseado porque estava fumando. É um teste. Você está sendo observado. Se eu não fumo o baseado, seria mandado embora. Existe esse círculo de pessoas ao seu redor. Foram momentos de muita tensão e meio assustador. Mas ir até lá não foi a parte mais assustadora, porque antes eu tive de conhecer o “tenente” do grupo em um estúdio de tatuagem. Aquele sim era o teste, para ver se eu era digno de conhecer o Diabolik. Quando saí de lá, não tinha ideia se havia impressionado o cara ou não. Felizmente, ele me ligou e fomos encontrar o Diabolik.
Ele era um sujeito muito carismático, inteligente. Tipo, meio barra-pesada, abertamente racista e anti-semita. Há muita extrema-direita no Leste Europeu, mas na Itália é um pouco diferente, pois o fascismo é às encondidas. A gente teve uma boa conversa, mas, obviamente, alguns meses depois ele foi morto a tiros. Não por outros ultras, mas por estar envolvido até o pescoço no crime organizado. Essa foi provavelmente a parte mais assustadora de todo o livro, os momentos em que você percebe que está se metendo com crime organizado. E deu pra perceber que se infiltrar demais, você acaba virando presunto. E eu não queria virar presunto.
TM: Você menciona nesse capítulo sobre a influência dele sobre os jogadores da Lazio. Que costumava sair com Paul Gascoigne, nos anos 90. Os ultras da Lazio pareciam ter passe-livre sobre os jogadores...
JM: Eles efetivamente comandavam a Lazio. Por mais de uma década, eles foram a instituição mais importante, poderosa e provavelmente a melhor em gerar dinheiro para a Lazio em termos de marketing e produtos. A maneira como Diabolik falava sobre Gazza era como se eles fossem melhores amigos. Não há um capítulo sobre a Inglaterra no livro, mas a influência do hooliganismo nos ultras é muito clara. Muitos dos cânticos e da moda vieram da Inglaterra.
E a força que muitos grupos têm, como os Barras na Argentina, é imensa. Tipo, parece loucura que a torcida tenha influência sobre as novas contratações. Ou receber uma parte do salário do jogador para que continue cantando os seus nomes. Quando fui à Argentina e perguntei às pessoas sobre isso, elas discordaram, mas tinha uma cerna lógica no argumento. Eles diziam ‘nós fazemos parte do jogo, criamos a atmosfera, então queremos nossa parte’. É essencialmente assim que me foi explicado.
Então é assim que eles fazem na Argentina. Descobri uma ótima história sobre a Barra do Boca Juniors, La Doce. Alguns dos principais integrantes se esforçaram para manter Maradona e Caniggia na linha, quando eles voltaram ao clube nos anos 90. Obviamente, Maradona já usava drogas nessa época, e eles eram a segurança e claro que esperavam ser recompensados por isso. É quase impossível de imaginar isso hoje em dia, e talvez seja melgor assim. Mas também mostra o espaço cada vez menor em que o ultraísmo, e até mesmo torcedores comuns, tem no clube.
TM: Falando sobre o poder, como é o relacionamento deles com a polícia? Em Roma parece que àz vezes a polícia essencialmente faz vista grossa...
JM: Este não é o espaço da polícia e isso mostra o poder dessas organizações. A polícia está lá só para manter os torcedores da Roma e da Lazio longe uns dos outros. Em última análise, é por isso que o nome do livro é 1312, porque é uma gíria de prisão para "Todos os Policiais São Bastardos" [N.T All Cops are Bastards, ou A.C.A.B, do termo em inglês]. É uma crença fundamental para os ultras.
Outra coisa é que os torcedores da Lazio são bem conhecidos por serem de extrema direita. A polícia na Itália tem um grande número de membros que, segundo muitas pesquisas, estão ligados à extrema direita. Eles tinham o poder e demorou muito para que o poder fosse quebrado. Foi necessário um controle estatal maciço para impedir que isso acontecesse.
TM: Você mencionou o Reino Unido antes, e obviamente não temos essa ultra cultura por aqui. Mas o que é o mais próximo que temos de um grupo organizado?
JM: O que os ultras precisam é de liberdade para operar em alguns aspectos dentro do clube, ou dentro da curva, atrás do gol. No futebol inglês, especialmente no topo da Premier League, isso não existe. Você é um cliente jogo e é muito policiado. Além disso, as leis sobre o que um torcedor pode fazer no estádio são tão ridiculamente severas que você só pode aparecer lá, sentar na sua cadeira, e ir para casa no final do jogo. É muito difícil para uma subcultura existir fora disso.
Em termos de grandes clubes, provavelmente os maiores são a Green Brigade do Celtic. Eles têm algo parecido com o que você esperaria ver em um país europeu com a cultura ultra. Eles se parecem com um grupo Ultras, eles viajam em grande número. Eles também têm uma política progressista. E obbviamente religiosos, você vê iconografia religiosa em todos os lugares. Comparável a qualquer coisa na Europa, definitivamente a Green Brigade é o maior grupo ultra do Reino Unido.
TM: Mas a influência do futebol inglês parece significativa. Você mencionou o filme Hooligans no livro, especialmente pela influência nos ultras da Indonésia...
JM: De forma bastante pretensiosa eu afirmo que é um dos filmes britânicos mais influentes do século 21. E reitero, porque quando você vai a algum lugar como a Indonésia e vê essas pessoas que assistiram ao filme e até mesmo as duas sequências, elas ainda pensam que o futebol inglês é aquilo. Eles se vestem do mesmo jeito, usam influências, até mesmo a música. E isso foi quase em todos os países que visitei. Lembro de ir a Jerusalém, e havia esses judeus Mizrahi da classe trabalhadora que faziam parte de Beitar Jerusalém, um grupo muito temido por lá, e eles estavam cantando "West Ham até morrer". Era o único inglês que eles sabiam, e era do filme Hooligans. Às vezes é preciso dizer às pessoas que aquilo não existe mais. Essa cultura que você reverencia meio que já era.
TM: Por falar na Indonésia, você teve alguns momentos cabeludos lá. Você pode nos contar sobre o que passou e se pensou que tinha ido longe demais?
JM: Ao longo dos anos acabei em algumas situações bastante complicadas. Especialmente no Egito, enquanto a revolução estava desmoronando. Na Indonésia, eu já estava com 40 anos e achei que a minha sorte tinha terminado. Eu conheci esses caras muito doidos, sabia que era uma cena muito violenta, mas achei que não daria nada. Porque deu problema com um ônibus, tivemos que sair da beira de uma rodovia no meio do nada e, antes que eu percebesse, estava sendo perseguido por um monte de caras com facões. Eu realmente achei que fosse morrer.
Felizmente, o cara com quem eu estava saiu correndo por essa rodovia de seis pistas, e corri atrás dele! Nunca fiquei tão aliviado. Mas apesar disso, se há um país que espero muito voltar quando a pandemia acabar, é a Indonésia. Eu me apaixonei pelo lugar. Há essa violência e anarquia, mas a cultura dos torcedores lá é muito real. Essa paixão deles, às vezes meio perigosa, é algo em que penso com frequência e quero reencontrar. Mas acho que irei sozinho ao estádio da próxima vez!
TM: Os ultras são uma coisa muito diferente dos hooligans britânicos da velha guarda. Há disciplina e treinamento sérios que acontecem dentro de muitas dessas facções e a luta organizada é uma grande parte das atividades...
JM: Uma das grande mudanças no futebol é que ele se tornou menos violento no estádio. Com exceção da Indonésia e lugares assim. Mas em muitos lugares, especialmente na Europa, nunca foi tão seguro ir a uma partida de futebol. Isso porque a violência foi levada para outros locais, de forma organizada, okolofutbola, como eles dizem na Rússia, e ustawki na Polônia.
Eles quase inventaram seu próprio esporte de forma paralela. Que é essa grande briga em massa com certas regras, e um código de honra onde se alguém foi espancado você tem de parar. A quantidade de torcedor tem de ser igual, não há armas, você entra na luta com honra e sai com honra. E esssas gangues treinam como se estivessem no exército. Aprendem habilidades de MMA, judô, boxe, taekwondo. É ultra violento e muito secreto, não é fácil de achar vídeos online.
Muita gente se perguntou o que aconteceria com os ultras? Mas durante toda a pandemia, em grupos de hooligan no Telegram, as pessoas ainda estavam se encontrando para brigar. Isso nunca parou de existir, e inclusive tem prosperado. Há um incidente que menciono no livro sobre uma luta de 100 x 100 em Frankfurt, na Alemanha. Ninguém tava lá fazendo distância social ou usando máscaras. É uma loucura que tenha acontecido, quase sem registro. Tive a sorte de ver um pedaço.
TM: Após conhecer tantos grupos e indivíduos diferentes, você diria que ultras ao redor do mundo são inerentemente o mesmo tipo de pessoa?
JM: Creio que seja um tipo de pessoa que queira desafiar as autoridades, e encontrar um espaço com pessoas que queiram fazer o mesmo. Lembro de conversar com um ultra na Alemanha, mais esquerdistas. Esquerda e direita compartilham um desejo em comum, que é ser contra a polícia, contra o controle, e querem ingressos baratos e liberdade para ter pirotecnia. É uma cultura de jovens e, como jovem, você arrisca até onde acha que vai sa safar. Um dia você vai ter uma família, você vai ter um emprego, mas este é o momento da vida de extravasar. A única diferença é que alguns se aprofundam mais do que outros.
TM: Qual foi a sua principal lição de toda a experiência com os ultras?
JM: Não caia no chão! Acho que foi o melhor conselho que recebi. No meu primeiro dia na Indonésia, um cara me disse: “Se você for perseguido, não caia, porque eles vão te matar. Ninguém vai parar até que você esteja morto ”. Eu segui o conselho e estou aqui falando com você agora.
Uma tradução via Corneta Press, do original no The Malestrom
Crédito das fotos: James Montague e Vladimir Zivojinovic (acima).
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PRORROGAÇÃO - OU Coisas que valem mencionar
Sobre o autor…
James Montague também é autor do livro Thirty one-Nil, sobre a saga dos pequenos países em partidas de eliminatórias da Copa do Mundo. Você pode conferir um trecho do livro aqui na Corneta Press, sobre a revolução do futebol na Palestina.
Sobre o ultra…
Fabrizio Piscitelli, o Diabolik, importante líder dos ultras da Lazio, foi assassinado na em plena rua, em Roma, com um tiro na cabeça. A morte do “capo” dos Irriducibili estará relacionada com as suas ligações ao negócio do tráfico de droga. Ele tinha 53 anos, e por mais de 30 foi um dos líderes do grupo laziano.