A história modinha do PSG
Desde a sua fundação em 1970 o PSG é um projeto de marketing. Designers, modelos, atores, o prefeito de Paris e Johan Cruyff fizeram parte da estratégia
Pela primeira vez na história, o Paris Saint-Germain usará uma camisa toda azul, abolindo a tradicional faixa vermelha, e os ultras do clube sugerem um boicote ao uniforme, com logo da Air Jordan. "Não comprem uma camisa que não respeite a nossa história. Tragam de volta a nossa Hechter", sugere um dos grupos.
Mas que história, alguém há de se perguntar? Que Hechter é esse?
Pois bem. Depois que o clube foi comprado por um grupo do Catar, é meio fácil chamar os torcedores do PSG, principalmente os mais novos, de “modinha”. Mas a verdade é que desde a fundação o PSG foi um clube da moda, em 1970, idealizado por um grupo de empresários em Paris com o objetivo de colocar a capital francesa no mapa do futebol. Era uma modinha, antes do termo modinha.
Entre 1970 e 73, inclusive, a camisa do clube era toda vermelha, e o logotipo era uma bola de futebol azul, com um navio no centro.
O primeiro patrocínio, ainda jogando na segunda divisão, foi do supermercado Montreal (parte de um grupo do Quebec, que estava tentando expadir na França). Foi com esse uniforme vermelho já com o patrocínio que o PSG perdeu de 4 a 1 para o Red Star, o pequeno clube parisiense do subúrbio de Saint-Ouen.
A tradicional camisa Hechter
Um designer de moda famoso, de 39 anos, Daniel Hechter assumiu o Paris Saint-Germain em 1973 – primeiro como diretor e, então, presidente. Ele já tinha tentado assumir o comando do Paris FC, que não o aceitou como presidente. Hechter é conhecido no mundo na moda por ter introduzido marcas de grife para um conceito mais “barato”, e prontas para uso – e na França, a marca Daniel Hechter é ainda muito famosa, como Ralph Lauren ou Tommy Hilfiger.
Como marketing, Hechter contratou Jean-Paul Belmondo, talvez o ator galã mais famoso da época, como uma espécie de embaixador, um influencer antes dos influencers. A marca Le Coq Sportiff entrou como o fornecedor de camisetas e o patrocinador foi outro canadense, o refrigerante Canada Dry – foi o maior contrato assinado por um clube da segunda divisão, na época.
Nesse período também foi introduzido o logo da Torre Eifel em um fundo azul - uma variação semelhante que é usada até hoje. O logo foi ideia do publicitário/cineasta Christian Lentretien, o que o mundo coorporativo chama hoje de “rebranding”.Porém, a mudança mais significatica de todas foi nas cores e no modelo da camisa, e o que ficou conhecido até hoje como a camisa “Hechter”.
Daniel Hechter desenhou ele mesmo os esquetes e, segundo a lenda, costurou os primeiros modelos da camisa, com as listras azuis e vermelho (as cores da bandeira de Paris) e pequenas listras brancas, representando Saint-Germain-en-Lye.
“Eu não desenhei uma camiseta de futebol, mas uma camisa. Algo que todos podem admirar. Era algo bonito de olhar em campo”, declarou ao Le Parisien, em 2018.
Para ajudar, os materiais mais leves estavam começando a se tornar padrão e seriam, no final da década, amplamente utilizados, com as camisas de mangas curtas e o caimento mais confortável. Era um conceito de “street-wear”.
Primeira divisão, Pelé, Cruyff, e outras modas
A grande estreia da nova camisa foi na estreia do Paris Saint-Germain jogando no estádio Parc des Princes - até então, o clube não tinha um estádio próprio. Em novembro de 1973, mais de 20 mil foram ao jogo contra o novo rival local, o Red Star, e PSG venceu por 3 a 1. No final da temporada, os dois clubes subiriam à primeira divisão, mas no caso do Red Star, pela última vez.
A camisa “Hechter”, como mais tarde o designer/presidente admitiu, foi “inspirada” no Ajax, o mais bem-sucedido clube da Europa no início dos anos 70. Ele simplesmente pegou as faixas laterais brancas do clube holandês e trocou pelo azul, com a faixa central vermelho - e voilà! A camisa mais clássica do PSG surgiu no final dos anos 70 (abaixo), com o patrocínio da RTL (Rádio Luxemburgo), que seria usada por Carlos Bianchi e Abel Braga, que jogaram no clube na época.
Daniel Hechter não estava brincando em promover o PSG. Em 1975, Johan Cruyff, um bon vivant e amigo pessoal de Hechter, jogaria duas partidas pelo PSG emprestado pelo Barcelona para um torneio de verão (Torneio de Paris) – que também teve o Fluminense que, no ano seguinte, trouxe Cruyff ao Brasil!
No ano seguinte, Hechter levou o New York Cosmos de Pelé para um amistoso, com pontapé inicial da musa Mireille Mathieu. Ele tentou contratar Franz Beckenbauer, mas a RTL não quis investir em um zagueiro, e ele acabou indo para os EUA – Hechter ainda sondou Paulo Cézar Caju, que já dava sinais de ter problemas com álcool e baladas, e nos anos 80 seria modelo da marca Hechter.
O escândalo e novos donos e novas camisas
Daniel Hechter se meteu num êscandalo de venda duplicada de ingressos – a qual cobrava dois preços e vendia sempre pelo preço mais alto – e foi banido do futebol pela Federação Francesa. Antes do escândalo, Hechter sonhava com a criação de um supertime parisiense. O prefeito de Paris, Jacques Chirac, era favorável à criação do Paris 1 (um supertime que uniria PSG, Paris FC, Racing e a rádio Europe 1), mas o projeto acabou ruindo - a RTL era a maior concorrente da Europe 1.
Em 1982, o novo presidente Francis Borelli abandonou o “tradicional” uniforme e adotou a camisa branca com listras laterais. Durante 12 anos o PSG jogou de branco, inclusive nos seus primeiros títulos de Copa da França em 82 e 83 - o design de Hechter foi relegado ao papel de camisa reserva. O PSG ganhou o Campeonato Francês pela primeira vez em 1986, também de branco.
O logo também mudou em 92, quando a rede de TV Canal+ comprou o clube. O novo modelo tinha a sigla "PSG" no lugar da torre (quando o PSG chegou às semifinais da Liga dos Campeões, com David Ginola, George Weah e Raí).
“A camisa mais feia da história foi a do Canal+, parecia coisa de um estilista de fundo de quintal”, declarou Hechter. “A faixa central vermelha é como o nosso símbolo. Mudá-lo é como mudar a bandeira francesa. Os grandes clubes não trocam de camisa, mas quando saí do PSG, quiseram me apagar da história”.
Embora o design de Hechter tenha voltado em 95, como no clássico modelo da Opel da era Raí, já existiram várias mudanças, como a faixa vermelha mais fina na camisa azul-marinho (a camisa mais comum da era-Ronaldinho). Ou seja, nem a “tradição” da camisa Hechter pode ser considerado uma grande verdade.
A camisa do PSG é talvez a que mais tenha mudado de acordo com a tendência quente do verão. Mas de moda o PSG e o seus fundadores entendem bem.
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Por Leandro Vignoli, um original do Corneta Press
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PRORROGAÇÃO - ou - Coisas que valem mencionar
Hechter e os títulos…
Apesar da contribuição histórica, com o dinheiro investido e a criação do modelo azul e vermelho, Daniel Hechter nunca ganhou um título a frente do PSG. Em 1974, ele ao menos conseguiu o acesso à primeira divisão.
Rouba mas faz…
A última partida dele como presidente, após o escândalo do cambismo, foi uma goleada contra o Olimpique por 5 a 1. Os jogadores deram a bola do jogo à Daniel Hechter e seu nome foi gritado pelo estádio.
A paixão por Caju…
Paulo Cézar Caju, que já tinha jogado na França, chegou a se apresentar no PSG, mas o negócio seria vetado pelo técnico pela fama de baladeiro. Amigos pessoais, Dabiel Hechter chegou a indicá-lo para o futebol inglês.
Francesão e suas histórias... Ótimo texto!
Uma coisa que parece que você não entende é que quando a bola rola, nada disso importa. Apesar de não ter tradição o PSG já bateu times tradicionais. E eu se fosse jogador não iria querer saber se o dinheiro do meu empregador seria vindo da Moda ou do tráfico. Assim como muitos jogadores não se importam.