A eterna tragédia do goleiro heroi
O bom, o mau, o feio, o louco e o santo: a Copa Libertadores reservou noites de glórias para muitos goleiros. E em outras noites, eles também caíram
O patinho feio
A noite mais silenciosa na história do Beira-Rio. Nas semifinais da Libertadores de 1989, o Inter era eliminado nos pênaltis para o Olímpia. Cada lágrima escorrida em uma camisa vermelha naquela noite estava batizada com o nome de Ever Almeida. O goleiro abriu a série penal marcando contra o colorado Taffarel e ainda garantiu a final ao defender um pênalti de Leomir.
Durante os noventa minutos, Almeida, como um devorador de sonhos, já havia espalmado um pênalti do artilheiro Nílson. O Globo Esporte na voz de Fernando Vanucci comparou a partida com a tragédia de Sarriá, pois como o Brasil, na Copa de 82, o Internacional também só precisava de um empate para se classificar. Empatou duas vezes o placar, antes de sofrer o derradeiro 3 a 2 – o paraguaio Amarilla seria, para sempre, o Paolo Rossi colorado. E Almeida, o ceifador.
Ever Almeida tinha 41 anos na época.
Figura perpétua da Libertadores, já havia sido campeão em 1979, em uma final contra o Boca Juniors. Foi o primeiro goleiro a fazer um gol na Libertadores, em 1986, contra o Estudiantes em La Plata. Na edição de 1989, o carrossel guarani liderado por Almeida eliminou o próprio Boca Juniors nas oitavas, com a mesma artimanha nos pênaltis que usaria no Beira-Rio: Almeida abriu o placar e salvou duas cobranças. A final colocou o Olímpia frente ao Nacional de Medellín e os 2 a 0 no Defensores del Chaco deixou os paraguaios salivantes pela taça. Mas na volta, em Bogotá, ninguém contava que a loucura fosse tomar conta de tudo.
O dia em que nascia o El loco
Após 18 cobranças de pênaltis, Léo Álvarez garantiu o primeiro título colombiano no torneio. Mas o heroi da conquista do Nacional foi, logicamente, outro: o goleiro baixinho de longos cabelos encaracolados e bigodinhos chamado René Higuita.
Após os 2 a 0 no tempo normal, novamente a estratégia do Olimpia foi começar as cobranças com o goleiro Almeida, que executou o de sempre: um chute forte, baixo e no canto. Desta vez, tinha um Higuita para acabar com a festa. O goleiro ainda bateria o quinto e último pênalti decisivo, que levou a série para as cobranças alternadas. No total, Higuita salvou quatro pênaltis (além do que marcou). A Colômbia se rendia ao El Loco.
Mas o encontro de Higuita com Almeida não acabaria ali.
Em 1990, Nacional x Olímpia desta vez se encontraram nas semis, e outra vez decidiram nos pênaltis. Higuita mais uma vez espalmou o chute de Almeida (que trocou de canto!), todavia Higuita chutou sua cobrança na trave. É uma das piores disputas de pênaltis da história. Renê Higuita defendeu um total de quatro pênaltis, mas o Nacional conseguiu ser eliminado mesmo assim, errando cinco penalidades – inclusive o sexto e decisivo numa defesaça de Ever Almeida. O Olímpia chegava a sua segunda final seguida.
Foi a perdição de um e a redenção do outro.
Higuita ainda faria sua última dança na Libertadores de 1995, eliminando o River Plate, marcando e defendendo penais (no jogo em Medellín ele ainda fez um gol de falta), antes cair na final para o Grêmio de Jardel e Felipão.
Almeida encerrou a carreira após ser campeão em 1990. Aos 42 anos, e com 113 jogos disputados na Libertadores, o maior número da história.
Em 1991, Nacional x Olimpia se enfrentaram pela terceira vez consecutiva. Nas semifinais (já sem Almeida), o Olimpia passou em dois jogos. Higuita pediu a benção do “padrinho” Escobar e se transferiu para o Real Valadollid.
Para a Libertadores 92, a vaga de heroi estava em aberto.
O bom e o mau
“Zetti, Zetti, Zetti!”, gritava Galvão Bueno após a quinta e decisiva cobraça de pênalti do Newell’s Old Boys, gritos que talvez ainda ecoem nos corredores mais frios do Morumbi. “É campeão o São Paulo, é a consagração de Zetti”, concluiu Galvão. Em 1992, o tricolor ganhava a sua primeira Libertadores. E Zetti, ainda que fosse um dos melhores goleiros da sua geração, foi naquele chute espalmado de Gamboa, segundo o próprio goleiro, a defesa mais emblemática da sua carreira.
Entre o título em 92, as quatro antológicas defesas consecutivas na final do bi, em 1993; as finais de mundial em Tóquio; o tetra no banco da Seleção; a atuação de gala no Pacaembu na Libertadores 94; e o pênalti defendido em Assunção nas semifinais: o Morumbi era outra vez o caminho para o tri-campeonato.
Mas tinha um paraguaio no meio do caminho.
Em 1994, a Libertadores é de Chilavert e mais ninguém. O Vélez Sarsfield de Carlos Bianchi chegou na final aos trancos e barrancos, eliminando nos pênaltis o Defensor, de Montevidéu, e o Júnior, de Barranquilha – ambos em Buenos Aires. Contra os uruguaios o goleiro salvou duas cobranças e ainda coverteu a sua. Contra os colombianos, converteu o seu pênalti, antes de salvar o quinto e decisivo penal – nas séries alternadas, Ronald Valderrama (sim, o irmão) chutou o sexto na trave. A catimba e a demência daquela decisão é algo imperdível de se assistir.
A final no Morumbi é mais conhecida. O São Paulo venceu no tempo normal e na decisão por pênaltis Chilavert converteu o seu e defendeu a cobrança do Palhinha. Foi o primeiro (a até hoje) único título do Vélez Sarsfield na Copa (a cobertura completa daquela campanha está no ótimo Futebol Portenho).
Em 1995, é claro, foi a vez de Chilavert e o Vélez caírem nos pênaltis em casa, diante do River Plate - o mesmo River que, como escrevi acima, foi eliminado logo depois nos pênaltis pelo Nacional de Renê Higuita, mas que em 1996 teve a sua vingança contra a Colômbia batendo na final o América de Cali, do goleiro Óscar Córdoba – que será importante aqui nessa história, mas não agora.
Dida e Carlos Germano foram os campeões na sequência, digamos que de forma tranquila. Nada assim comparado a um santo.
Com quantos milagres se faz um santo?
Joelhos no gramado, mãos pra cima e uma oração. A imagem de Marcos logo após defender o pênalti de Vampeta é uma foto icônica no futebol brasileiro. O Palmeiras eliminava seu maior rival e avançava as semifinas da Libertadores de 1999. E após eliminar o River, o Deportivo Cali na final.
Zinho perdeu o primeiro e Rafael Dudamel converteu para o Deportivo Cali (o goleiro batedor de pênalti é uma das maiores magias do futebol sul-americano). Quando o Cali errou sua quarta cobrança, como uma obra escrita e dirigida pelo diabinho da garrafa, o último e decisivo pênalti colocou Marcos à frente de Martin Zapata – que, justo de pênalti, fez o gol no tempo normal. A cobrança foi igualzinha, só que para fora. O Palmeiras de Felipão era o campeão da Libertadores de 99.
Em 1999 o goleiro Marcos assumiu a titularidade do Palmeiras no lugar do contundido Velloso, mas na Libertadores de 2000 ele era um dos melhores goleiros do país. Nas oitavas, salvou dois pênaltis e eliminou o Peñarol. Nas semifinais, outra vez o Corinthians, e outra vez um São Marcos. Outra vez icônico, no último pênalti, o corpo caído pra direita e o chute do pé-de-anjo espalmado pra fora. Não teria melhor história do que eliminar o arqui-rival duas vezes nos pênaltis.
Não teria, porém o roteiro da Libertadores de 2000 reservara uma história diferente. De novo nos pênaltis, mas com outros atores, entre eles Óscar Córdoba, que havia perdido a decisão contra o River, quatro anos antes. Óscar, agora, defendia o Boca Juniors.
E se você prestou bem atenção, a perdição de Marcos e a redenção de Córdoba só precisava de um golpe do destino para se cruzarem.
Por Leandro Vignoli, um original do Corneta Press
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PRORROGAÇÃO – OU Coisas que valem mencionar
A santidade não acabava ali...
Em 2001, o Palmeiras eliminou São Caetano e Cruzeiro nos pênaltis antes de cair para o Boca Juniors outra vez, mas desta vez nas semis. Marcos é o goleiro que mais pegou pênaltis em Libertadores, com 11 no total.
O mítico xeneize
Óscar Córdoba foi bi-campeão da Libertadores com o Boca Juniors. Entre as duas finais nos pênaltis (mais as semis, em 2001), o goleiro pegou 5 pênaltis no total (além de outros 3 que os batedores chutaram para fora).
O pato
Com a saída de Córdoba para a Europa, Roberto “Pato” Abbondanzieri venceu a final da Libertadores de 2003 (contra o Santos) e perdeu a final de 2004, para o Once Caldas – Pato também seria campeão na reserva do Inter, em 2010.
O mito
Rogério Ceni também não escapou da síndrome de perder a segunda final. Campeão em 2005, foi derrotado pelo Inter na final de 2006. Ceni é o brasileiro com mais jogos na história da competição, com 90 partidas, além de o goleiro recordista de gols na Libertadores, com 14 (recorde de gols pelo São Paulo no torneio).
Em Minas também tinha santo
A última final da Libertadores com pênaltis foi vencida pelo Atlético Mineiro em 2013, que consagrou Vítor, que pegou pênaltis na semifinal e final.
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